terça-feira, 28 de junho de 2016

Estratégia FODMAP em Uberlândia


ESTRATÉGIA FODMAP (EF) E SENSIBILIDADE NÃO CELÍACA AO GLÚTEN 

FODMAPs, acrônimo de Fermentable Oligo-Di-Monosaccharides And Polyols, são carboidratos de:
  1. Cadeia curta,
  2. Difícil absorção,
  3. Pelo seu poder osmótico, aumentam o volume de líquido na luz intestinal,
  4. São fermentados pelas bactérias do intestino, produzindo gazes, dor abdominal, distensão abdominal, cólicas, diarréia. 
Pesquisas recentes apontam esses carboidratos como “vilões” para o desencadeamento dos sintomas da Síndrome do Intestino Irritável e outros distúrbios gastrintestinais funcionais. Os distúrbios do trato digestivo funcionais são transtornos que não podem ser atribuídos a anormalidades estruturais ou anatômicas e nem a alterações bioquímicas e metabólicas.

Os Oligossacarídeos (fructanos e os galactanos) são formados pela união de até 10 moléculas de monossacarídeos. 

Os fructanos, constituídos por uma cadeia curta de frutose ligada a uma molécula de glicose, não são absorvidos porque o intestino não tem a uma enzima hidrolase específica para quebrar as ligações frutose-frutose. 

O trigo é a maior fonte de frutanos da dieta, mas eles estão também presentes na cebola, alho, aspargos, brócolis, beterraba e melancia. Os galactanos, formados por uma cadeia de galactose unida a uma molécula de frutose, também não são absorvidos, sendo então fermentados no intestino. Dentre outros alimentos, estão presentes no feijão, ervilha e soja.

Os Dissacarídeos (sacarose e lactose) são hidrolisados por enzimas presentes na mucosa intestinal. 

A sacarose (açúcar comum) é quebrada nos monossacarídeos frutose e glicose, facilmente absorvidos. A lactose é quebrada pela lactase, localizada na superfície das células intestinais, originando glicose e galactose, que também são absorvidas. Porém, quando existe deficiência de lactase, o que é frequente na população, ocorre má absorção de lactose. 

A má absorção de lactose por deficiência de lactase apresenta a mesma proporção tanto em indivíduos saudáveis como em pacientes com Síndrome do Intestino Irritável, porém os sintomas são mais intensos nos pacientes com SII (Clinical Gastroenterology and Hepatology 2013;11:262). Com frequência, observamos isso na prática clínica: os indivíduos com deficiência de lactase, sem problemas digestivos, podem até tolerar a ingestão de um copo de leite por dia. Já, os pacientes com Síndrome do Intestino Irritável e com deficiência de lactase, ao ingerirem alimentos que contenham lactose, apresentam dor abdominal, gases e diarréia.

Os Monossacarídeos (glicose, galactose, frutose) são absorvidos rapidamente. A frutose, quando presente em excesso em relação à glicose, é absorvida com dificuldade. Isto pode ocorrer com ingestão de grande quantidade de mel e de alguns sucos de frutas, como maçã, manga, pera, melancia. Tem-se diagnosticado muitos casos de intolerância à frutose e na maioria das vezes esse distúrbio é transitório, podendo ser oriundo de alteração na microbiota intestinal, assim como por alteração no metabolismo dos monossacarídeos, fazendo com que eles permaneçam na luz intestinal, promovendo efeito osmótico, sendo fermentados por bactérias e com isso gerando gases abdominais, dores e até mesmo diarréia. 

Os Polióis (sorbitol, manitol, xilitol) adoçantes artificiais presentes em chicletes e balas sem açúcar e em algumas frutas (pera, maçã, abacate, manga) têm absorção lenta, por difusão passiva, através de poros no epitélio intestinal e são fermentados.

Em 2005, os pesquisadores Peter Gibson  e Susan Shepherd, da Monash University (Melbourne), começaram a perceber que uma série de alimentos eram mais ligados a piora dos sintomas da Síndrome do intestino irritável (SII), assim como dos distúrbios funcionais do trato gastrintestinal. Percebendo a composição desses alimentos, viram que esses carboidratos fermentáveis poderiam ser a causa dos sintomas em tais pacientes. Surgiu então a abordagem, ou Estratégia FODMAPs (EF) como alguns denominam. 

A EF sugere um novo enfoque de dieta como forma de reduzir os sintomas deste distúrbio. Suas crescentes evidências vêm ganhando destaque e atenção cada vez maiores no meio científico em todo o mundo. Mensalmente saem estudos mostrando que ela realmente pode reduzir até 70% dos sintomas nos portadores de SII.

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é caracterizada por sintomas de longa duração relacionados ao intestino, como dor e distensão abdominal por gazes, associados com alterações no hábito intestinal (diarreia ou constipação ou alternância de ambos). É de alta prevalência em todo o mundo, sendo que 20% dos adultos e adolescentes apresentam queixas compatíveis com o diagnóstico. Os medicamentos, mesmo os mais recentes, têm sido pouco eficientes e a maioria dos pacientes relata que os alimentos são os responsáveis pelo início e manutenção dos sintomas.

Os critérios para diagnóstico de SII são baseados nos critérios de ROMA III:

Os critérios* diagnósticos devem incluir todos os itens a seguir:
Dor ou desconforto abdominal recorrente** pelo menos 3 dias/mês, nos últimos 3 meses, associada com dois ou mais dos seguintes:
1. Melhora com a defecação;
2. Início associado com mudança na frequência das evacuações;
3. Início associado com mudança no formato (aparência) das fezes.
* Critérios preenchidos nos últimos 3 meses com início dos sintomas pelo menos 6 meses antes do diagnóstico. 
** “Desconforto” significa uma sensação desconfortável não descrita como dor.
Recomenda-se que, para uma pessoa possa participar e ser incluída nos protocolos de pesquisas de fisiopatologia e em estudos clínicos, tenha frequência de dor/desconforto de ao menos 2 dias por semana durante o período de avaliação.

Outros distúrbios funcionais intestinais são:

1) Estufamento/Empachamento funcional: Os critérios* diagnósticos devem incluir os dois itens a seguir:
1. Sensação recorrente de estufamento/empachamento ou distensão visível por pelo menos 3 dias/mês em 3 meses
2. Critérios insuficientes para diagnóstico de dispepsia funcional, síndrome do intestino irritável ou outro distúrbio
gastrointestinal funcional
* Critérios preenchidos nos últimos 3 meses com início dos sintomas pelo menos 6 meses antes do diagnóstico.

2) Constipação funcional: Os critérios* diagnósticos devem incluir:
1. Dois ou mais dos seguintes:
a. Esforço evacuatório durante pelo menos 25% das defecações;
b. Fezes grumosas ou duras em pelo menos 25% das defecações;
c. Sensação de evacuação incompleta em pelo menos 25% das defecações;
d. Sensação de obstrução/bloqueio anorretal das fezes em pelo menos 25% das defecações;
e. Manobras manuais para facilitar pelo menos 25% das defecações (por exemplo, evacuação com ajuda digital, apoio do assoalho pélvico);
f. Menos de três evacuações por semana.
2. Fezes moles estão raramente presentes sem o uso de laxantes;
3. Critérios insuficientes para SII.
* Critérios preenchidos nos últimos 3 meses com início dos sintomas pelo menos 6 meses antes do diagnóstico.

3) Diarreia funcionalCritérios diagnósticos*
Fezes moles ou aquosas sem dor, ocorrendo em pelo menos 75% das evacuações.
* Critérios preenchidos nos últimos 3 meses com início dos sintomas pelo menos 6 meses antes do diagnóstico

4) Distúrbio intestinal funcional inespecífico: Critérios diagnósticos*
Sintomas intestinais não atribuíveis a uma etiologia orgânica e que não preenchem critérios para as categorias definidas previamente.
* Critérios preenchidos nos últimos 3 meses com início dos sintomas pelo menos 6 meses antes do diagnóstico.

A EF está conquistando atenção e interesse crescentes, devido a sua eficácia no gerenciamento dos sintomas descritos acima, o que evidencia a importância de estudarmos mais e acrescentarmos mais esta ferramenta em nossa prática clínica, tendo sempre em conta que os pacientes com distúrbios digestivos funcionais devem ser orientados caso a caso, respeitando intolerâncias individuais e influências emocionais. 

Descobri a estratégia em 2013 quando um amigo nutrólogo me disse que a "epidemia de sensibilidade ao glúten" era provavelmente ocasionada não pelo glúten, mas sim pelos fructanos presentes no trigo, centeio e cevada. Na época haviam poucas pesquisas e ano após ano, os estudos vem mostrando os diversos benefícios da EF. Em 2016 surgiram metanálises mostrando que realmente é uma estratégia eficaz no controle dos sintomas.

Tive que treinar algumas nutricionistas em Goiânia, já que por se tratar de um tema novo e restrito ao meio da gastroenterologia, poucas tinham conhecimento. Em pleno 2016 a maioria ainda desconhece a EF. Conclusão: muitas vezes sobra pra mim, a tarefa de preparar cardápio para os pacientes. Sendo esta uma atividade privativa de nutricionistas e não devendo ser delegada a médicos.

VANTAGENS DA EF

Ela consegue detectar de forma precisa (desde que seguida a metodologia corretamente), os alimentos que mais geram sintomas nos pacientes. Portanto deve ser feita em acompanhamento com médico e nutricionista. É composta por duas fases. Uma de restrição e outra de introdução. Ou seja, a dieta restritiva não é para toda a vida. 

Na fase 1: O paciente deve colaborar, permanecendo no mínimo 6 semanas sem ingerir nenhum alimento rico em FODMAP (e isso não é fácil). 
Na fase 2: Inicia-se a reintrodução gradativa (de acordo com grupos: fructanos, galactanos, lactose, frutose, polióis), associada a observação. Uma vez detectada a intolerância deve-se testar quantidades menores de respectivo alimento e verificar em qual dose ele começa a gerar sintomas. Exemplo, alguns pacientes podem tolerar pequenas ingestões dos alimentos aqui relacionados, outros não. Ou podem tolerar um copo de leite, desde que naquela refeição não consumam trigo.  

Resumindo, é um duplo trabalho de detetive: do paciente que deve observar o que ingere versus sintomas provocados e do médico que deve orientar e acompanhar sua dieta, de forma personalizada, rastreando os alimentos e/ou as combinações de alimentos que maximizam ou minimizam os efeitos indesejáveis.

TABELA DE FODMAPS


Acima uma exemplificação de alimentos pobres e ricos em FODMAPs. No consultório entrego uma lista bem mais ampla, com inúmeras sugestões (modo de manipular alguns alimentos ricos em fodmaps) e dicas para amenizar as dificuldades da dieta. Também entrego uma sugestão de cardápio (caso o paciente queira), mas o mais indicado é que ele procure uma nutricionista que tenha experiência e treinamento em EF. 

EF NÃO DEU CERTO, E AGORA?

Essa é uma das perguntas comuns dos pacientes que sofrem com SII , distúrbios funcionais e múltiplas intolerâncias alimentares.  30% dos pacientes pertencem a esse grupo e nesse caso o paciente deverá fazer acompanhamento conjunto do nutrólogo com o gastroenterologista. Aprofunda-se então no trabalho duplo de detetive. 

Inicia-se a suspensão de alimentos ricos em determinadas substâncias (salicilatos, aminas, cafeína, glutamato etç) que podem induzir a sintomatologia gastrintestinal.

EF É SÓ DIETA?

 Na EF a dieta é a parte mais importante, porém a tentativa de alteração da microbiota intestinal, mudando o perfil de cepas, tem se mostrado promissor na SII. A questão é, quais cepas de probióticos são recomendadas? Qual a dose indicada? Por quanto tempo? São perguntas que gastroenterologistas, nutrólogos e alergistas se fazem e ainda não temos certezas. 


Bibliografia: 




Autores:
Dr. Frederico Lobo (CRM-GO 13192)
Médico, clínico geral que utiliza dos preceitos ortomoleculares na sua prática clínica;
Ambientalista;
Dra. Daniella Costa (CRM-MG 52.344 - RQE 35.031)
Médica, clínica geral, nutróloga e que utiliza os preceitos ortomoleculares na sua prática clínica. 

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